Samico

Gilvan José de Meira Lins Samico foi um dos mais conhecidos e prestigiados gravuristas do Brasil. Ele nasceu no Recife no dia 15 de junho de 1928, mas passou a maior parte de sua vida em Olinda, cidade vizinha à capital pernambucana. Além de gravador, Samico era também desenhista e pintor, mas foi através da gravura que seu nome foi escrito na galeria dos grandes artistas brasileiros.

 Gilvan Samico. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

Samico começou sua carreira através do desenho, praticando no Ateliê Coletivo da Sociedade de Arte Moderna do Recife (1957), então dirigido por outro grande nome da arte pernambucana e brasileira, Abelardo da Hora. Seus trabalhos dessa época quase todos se perderam: o ateliê enfrentou uma crise financeira e pela falta de pagamento do aluguel de sua sede, o dono da casa adentrou no ateliê e jogou fora a maior parte dos trabalhos que ali havia. Quando ocorreu este incidente, Samico já se encontrava em São Paulo, estudando na Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna.

 Samico, sem título (1958), nanquin a pincel sobre papel 47x32 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

Samico, sem título (1957/59), nanquin a pincel sobre papel 20,7x25,5 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

Samico contava que a gravura em sua vida foi uma espécie de topada, um acidente de percurso. Ele nunca tinha se interessado por ela. Na época havia no Rio Grande do Sul o conhecido Clube da Gravura. Seguindo o exemplo, Abelardo da Hora pensou em fazer no Recife o Clube da Gravura da Sociedade de Arte Moderna. Foi aí que Samico fez sua primeira gravura em uma placa de gesso. Do gesso passou à madeira. Quando foi para São Paulo, essa era a única experiência de Samico com a gravura, embora já tivesse exposto alguns trabalhos no Salão do Recife, inclusive tendo sido premiado. Samico nunca pensou em ser gravador. Com o incentivo de artistas como Aluisio Magalhães e Francisco Brennand acabou indo trabalhar em São Paulo com Lívio Abramo, um importante gravador, ilustrador e desenhista paulista. Ali na Escola de Artesanato do Museu de Arte Moderna Samico desenvolveu seu talento para a gravura. Depois se mudou para o Rio de Janeiro, onde trabalhou com outro talentoso desenhista, ilustrador e gravador, dessa vez carioca, Oswaldo Goeldi, na Escola de Belas Artes. Samico contou que sua permanência com Goeldi foi para escutar o que ele dizia do trabalho dos outros e de umas poucas gravuras que ele fez por lá: Com Goeldi, o que aprendi foi ouvindo e observando, disse Samico.

Samico, A mulher com espelho, xilogravura (1959)

Foram sete anos fora do Recife. No início da década de 60, em uma de suas visitas à capital pernambucana, Samico encontra Ariano Suassuna. Nessa época Samico não estava satisfeito com as gravuras que vinha fazendo, achava-as muito noturnas e não tinha uma sinalização de que ele estava fazendo uma arte no Brasil. Foi aí que Ariano aconselhou Samico a “mergulhar” no mundo do cordel, dos gravadores populares: Rapaz, isso aí foi o mesmo que um coice de mula, contava Samico.

 Samico, Homem e cavalo (1958), xilogravura 24x35,5 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004.
Foto: João Liberato©

 Samico, Três mulheres e a lua (1959), xilogravura 26,5x27,3 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

Samico então começou a trabalhar nessa direção e a gravura começou a clarear. Ele contava que as primeiras ainda deixavam o “resto da madeira”, aqueles cortes que o gravador não controla muito, só até certo ponto, e as sobras ficam como uma surpresa: Fui tirando aos poucos esses restos, até que reduzi a gravura a uma figura toda em linha, alguns chapados pretos, e um ligeiro traçado para animar, contava.

Samico, João, maria e o pavão azul (1960), xilogravura 24,5x31 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

Samico, Dama com luvas (1959), xilogravura 36x29,6 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

Samico, Alexandrino e o pássaro de fogo (1962), xilogravura 42,7x51,7 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato© 

Com o tempo, o sentido de profundidade e de perspectiva desapareceu da gravura de Samico, a qual se transformou em um plano só. Qualquer sugestão de profundidade era dada pela sobreposição de planos. Ele dizia que não havia em suas obras nenhuma linha de fuga ou o interesse em que uma imagem lá atrás fosse menor que a da frente pra poder dar esse efeito de profundidade. Com o tempo, a gravura de Samico também foi ganhando cor. A cor servia para a diferenciação dos cortes, das tramas, da gama de valores contidas na gravura, dizia Samico. O uso das cores, segundo ele, era uma frustração do pintor ou do não-pintor: Se não tenho como mostrar minha pintura, boto cor na minha gravura, dizia Samico.

Samico, A grande rosa vermelha, xilogravura (1961)

Samico fazia uma gravura por ano. Perfeccionista, o artista dizia que passava mais tempo preso ao projeto da gravura do que mesmo na gravura. Com o projeto pronto, em cerca vinte dias ele tirava nem que seja a primeira impressão. O título de cada trabalho poderia ser dica, às vezes em função de um elemento ou uma situação. Sua produção é marcada pela recuperação do romanceiro popular nordestino, por meio da literatura de cordel e pela utilização criativa da xilogravura. Suas gravuras são povoadas por personagens bíblicos e outros, provenientes de lendas e narrativas locais, assim como por animais fantásticos e míticos.

 Samico, Luzia entre feras (1968), xilogravura 53x33 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004.
Foto: João Liberato©

Samico, O devorador de estrelas (1999), xilogravura 93,7x55 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

Samico, O segrado (1997), xilogravura 56x81 cm. Foto: João Liberato©.

Samico, A criação das sereias - alegoria barroca (2002), xilogravura 55,5x91 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

Samico, O retorno (1995), xilogravura 55,5x90,3 cm. Foto: João Liberato©.  

Samico tem obras em importantes museus e galerias pelo mundo, como: o Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães – MAMAM (Recife), a Pinacoteca do Estado de São Paulo (São Paulo), o Museum of Modern Art – MoMA (Nova Iorque, EUA) e a Galeria Estação (São Paulo). Em 1971, Samico foi convidado por Ariano Suassuna a integrar o Movimento Armorial, voltado à cultura popular nordestina e à literatura de cordel. As obras de Samico compuseram várias exposições individuais e coletivas pelo mundo. Cita-se algumas abaixo:

1960 - Recife PE - Individual, na Galeria Lemac
1962 - Madri (Espanha) - Arte de América y España
1962 - Barcelona (Espanha) - Arte de América y España
1962 - Paris (França) - Arte de América y España
1962 - Munique (Alemanha) - Arte de América y España
1962 - Bruxelas (Bélgica) - Arte de América y España
1962 - Amsterdã (Holanda) - Arte de América y España
1962 - Milão (Itália) - Arte de América y España
1962 - Berna (Suiça) - Arte de América y España
1962 - Minneapolis (Estados Unidos) - New Art of Brazil, no Walker Art Center
1962 - Recife PE - 2ª Panorâmica de Artes Plásticas de Pernambuco, no Clube Internacional de Recife
1962 - Rio de Janeiro RJ - 11º Salão Nacional de Arte Moderna, no MAM/RJ - prêmio viagem ao país
1962 - Veneza (Itália) - 31ª Bienal de Veneza - prêmio arte litúrgica
1964 - Recife PE - Individual, na Galeria Prefeitura
1965 - Rio de Janeiro RJ - Individual, na Petite Galerie
1966 - João Pessoa PB - Individual, na Universidade Federal da Paraíba - UFPB
1966 - Recife PE - Individual, na Galeria do Teatro Popular do Nordeste
1970 - Madri (Espanha) - Individual, na Galeria de Arte da Casa do Brasil
1985 - Cidade do México (México) - Individual, no Museo Nacional de las Culturas Populares
1989 - Porto Alegre RS - Individual, na Bolsa de Arte de Porto Alegre
1994 - Porto (Portugal) - Cumplicidades, na Cooperativa Árvore
1995 - São Paulo SP - Individual, no Escritório de Arte Sylvio Nery da Fonseca
1996 - Olinda PE - Gilvan Samico: gravuras e pinturas, na Galeria Sobrado
1997 - Rio de Janeiro RJ - Gilvan Samico: 40 anos de gravura, no CCBB
1998 - Recife PE - Gilvan Samico: 40 anos de gravura, no MAMAM
1999 - Belo Horizonte MG - Gilvan Samico: 40 anos de gravura, no Museu de Arte da Pampulha
2003 - Rio de Janeiro RJ - O Outro lado do Rio, no Paço Imperial
2004 - São Paulo SP - Samico: do desenho à gravura, na Pinacoteca do Estado.
2004 - Rio de Janeiro RJ - 90 Anos de Tomie Ohtake, no MNBA
2004 - Rio de Janeiro RJ - Tomie Ohtake na Trama Espiritual da Arte Brasileira, no MNBA
2008 - 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, Exposição Narrativas em madeira e muro: Presença da xilogravura popular nas obras de Samico e Derlon, Museu do Estado de Pernambuco, Recife.

Samico faleceu em Recife no dia 25 de novembro de 2013, aos 85 anos.

Fonte:
Catálogo da exposição “Samico: do desenho á gravura”. Pinacoteca do Estado de São Paulo, São Paulo, SP, 2004.

 Samico, No reino da ave dos três punhais (1975), xilogravura 74,7x41 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

 Samico, O outro lado do rio (1980), xilogravura 90x47 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004.
Foto: João Liberato©

Samico, Rumores de guerra em tempos de paz (2001), xilogravura 92x50,5 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

Samico, Criação - homem e mulher (1993), xilogravura 90,7x49,7 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

 Samico, A espada e o dragão (2000), xilogravura 93x48,7 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004. Foto: João Liberato©

 Samico, A caça (2003), xilogravura 92,7x47,4 cm. Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico: do desenho à gravura", Pinacoteca do Estado de São Paulo, 2004.
Foto: João Liberato©

SamicoA conquista do fogo e do grão (2010), xilogravura 94,8 x 51,3 cm  Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico-Xilogravuras", Galeria Estação, São Paulo, 2012.
Foto: João Liberato©



SamicoCriação – o sol, a lua, as estrelas (2011), xilogravura 92,5 x 53 cm  Reprodução fotográfica do catálogo da exposição "Samico-Xilogravuras", Galeria Estação, São Paulo, 2012.
Foto: João Liberato©


Samico, Fruto-flor, xilogravura (1998).

32 comentários:

  1. Muito bom o texto. Quanta beleza nas gravuras!

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  2. maravilhoso SAMICO////

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  3. Preciso saber quando ele iniciou sua vida de gravurista .

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  4. uma arte espetacular suas gravuras são impresionantes.

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  5. ele ainda ta vivo gente eu to sem saber??

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  6. Que história em Gilvan Samico🖒👏👏

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