Ulisses Mendes

Ulisses Mendes é hoje um dos mais importantes e representativos artistas do Vale do Jequitinhonha-MG. Ele nasceu no dia 2 de fevereiro de 1955 na cidade de Itinga-MG, onde vive até hoje. Aprendeu a trabalhar com o barro desde criança, com a mãe, mas não se dedicou desde pequeno à arte do barro. O oficio surgiu muito depois. Antes apenas ajudava sua mãe em atividades que eram consideradas “para homens”, como: a extração do barro no barreiro, a preparação da massa e o comércio das peças. Na região, modelar o barro era coisa de mulher, pouquíssimos eram os homens que se atreviam a modelar peças de barro. No inicio da carreira de artista Ulisses sofreu muito preconceito. Ele conta que sofreu preconceito até mesmo dentro de casa. Quando eu estava aprendendo, eu tinha um irmão que falava: Mãe! Põe esse vagabundo prá ir pro mato pegá lenha! Fica aí só mexendo com bolo de barro! Hoje parece que pouca coisa mudou; conta-se nos dedos os ceramistas homens que vivem no Vale do Jequitinhonha, mas entre eles está um tal Ulisses Mendes, um dos melhores e mais importantes da região. Ele diz que teve força de vontade e foi adiante, mas ainda hoje quando as pessoas lhe perguntam como é que ele se sente na cidade aonde mora, a primeira coisa que vem na cabeça é o sentimento da discriminação. A gente não é acolhido e a gente se sente sozinho. É muito poucas pessoas que aceita, que compreende a gente como a gente é. Prá dizer numa palavra dessas, a gente fica até achando que está no meio de uma floresta, onde os animais fogem da gente, achando que a gente é um caçador, diz o artista.

 Ulisses Mendes com uma de suas criaçoes. Reproduçao fotográfica Blog do Banu.

Mestre Ulisses tem sua história com o barro confundida com a militância política e cultural no Vale do Jequitinhonha, na década de 70. Suas obras revelam o cotidiano do povo do Vale ao mesmo tempo em que denuncia a exploração a que o lavrador do Jequitinhonha é submetido. Sua arte configura um misto de crítica social, religiosa e cultural. Mestre Ulisses é considerado por muitos como um cronista do Vale do Jequitinhonha.

Ulisses Mendes em seu ateliê. Reproduçao fotográfica Blog das Ruas.

Ele conta que suas peças são inspirações divinas; ele (Ulisses) é apenas um instrumento para a materialização das idéias e dos desejos dos deuses. Suas peças impressionam pela dramaticidade que carregam; ele retrata sua terra sem a mínima tentativa de “adoçar” os olhos de quem as enxerga. No acervo encontram-se lavadeiras, mulheres simples da roça, mães de família amamentando seus filhos, mulheres realizando atividades domésticas, lavradores, cantadores, tropeiros, vaqueiros, retirantes, dentre outras. Das suas figuras, talvez a mais emblemática seja o Cristo, onde no lugar de Jesus Cristo crucificado ele coloca um lavrador, um homem da roça desempregado ou uma mãe carregando seu filho. Apesar do forte apelo social, a suavidade e a delicadeza dos traços e feições são características marcantes de suas peças; talvez por isso mesmo reivindiquem tanta justiça social.

 Ulisses Mendes, titulo desconhecido, cerâmica. Reproduçao fotográfica Incaper.

 Ulisses Mendes, Cristo sertanejo, cerâmica. Reprodução fotográfica Em nome do autor, Proposta Editorial, Sao Paulo, 2008.


Ulisses Mendes, título desconhecido, cerâmica. Reprodução fotográfica CEART, MG.

 Ulisses Mendes, Cristo mulher, cerâmica. Reprodução fotográfica Em nome do autor, Proposta Editorial, Sao Paulo, 2008.

Ulisses Mendes, Tropeiro, cerâmica. FOTO: Caetano Vidal.

 Ulisses Mendes, Escravo, cerâmica. FOTO: Caetano Vidal.

O pacto é outra peça marcante do mestre Ulisses, que segundo ele foi criada a partir de um caso real. Um dia eu recebi na minha casa uma visita muito importante: um fazendeiro, um cara tradicional que tinha um patrimônio grande... Eu fiquei feliz... Quem sabe eu não vou vender alguns trabalhos meus pra esse moço aí! Ao ver os cavalos, os caipiras, os sertanejos, os tropeiros, os vaqueiros que eu fazia ele falou assim: tá bonito, mas eu queria que você fizesse um cavalo bem arriado, um cara bonito, bem vestido, chapéu social, uma maleta na mão, tipo executivo, botas bonitas, de marca... Faz uma peça assim... Deve ficar muito bonita. Aí eu baixei a cabeça e pensei... Não aceitou meus caipiras porque meus caipira é feio... Ele não quer a peça, não quer comprar, não que encomendar e quer que eu faça... Aí tudo bem, depois de uns sessenta dias eu encontrei com ele lá na rua... Eu fiz sua peça... Vai lá ver, ficou excelente, ficou uma peça bacana. Aí ele chegou aqui e eu disse: olhe a peça aqui. Não moço, mas aí não, a cara ta muito feia, não é era assim não... O burguês até que tá bonito, a maleta... Mas porque que ele ta assim, como a mão no queixo? ... Mas o que é isso? É o capeta?... Aí eu disse a ele: Quando o senhor me falou pra eu fazer a peça com esse burguês orgulhoso, bonito... Do jeito que o senhor falou eu só enxerguei desse jeito e aqui ta a peça. É o final de todas essas pessoas assim como essas que o senhor falou aí, com esses traços. Eu acho que o final dele é isso. Eu entendi desse jeito... O senhor não gostou não? Uma peça bonita dessas?... Não, gostei não. Infelizmente a realidade é essa. O sujeito quando é poderoso, mais quer pisar nos pobres. O resultado é esse, quando chega no final é isso aí. A peça O pacto representa um fazendeiro bem vestido, montado em um Centauro com cara de diabo. A peça representa a ambição daqueles que para conseguir o que querem, vendem até a alma ao diabo.

 Ulisses Mendes, O pacto, cerâmica. Reproduçao fotográfica autoria desconhecida.

O mestre Ulisses não é apenas um artista, é também professor e ministra oficinas de arte em várias cidades do país.

Contato com Ulisses.
Rua Bartolomeu Gusmão, 42
39610-000 Itinga-MG
Tel: (33) 3733-1313

Fonte:
- Matos, S.M. Artefatos de gênero na arte do barro: masculinidades e femininidades. Revista Estudos Feministas, 9 (1): 56-80, 2001.
- Lima, Beth & Lima, Valfrido. Em Nome do Autor. Proposta Edital, São Paulo-SP, 2008.

 Ulisses Mendes, título desconhecido, cerâmica. FOTO: Caetano Vidal.

Ulisses Mendes, Homem lendo, cerâmica. Reproduçao fotográfica A Casa.

  Ulisses Mendes, título desconhecido, cerâmica. FOTO: Caetano Vidal.


Ulisses Mendes, Retirante, cerâmica. Reprodução fotográfica CEART, MG.

Ulisses Mendes, título desconhecido, cerâmica. Reprodução fotográfica CEART. MG

6 comentários:

  1. ESSE BLOG mostra a arte popular de nosso Brasil conheça a historia desse povo guerreiro de Jequitinhonha senhor ULISSES MENDES.

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  2. Lindas peças!! Estava assistindo o artista no "Invenções da alma" e quis ver mais e saber como comprar sua peças.d

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  3. Milagres do Barro de Ouro (Gonzaga Medeiros)

    I — De Barro e Sopro, de Fogo e Milagre

    Um sopro de Deus e o divino barro se fez.
    E fez-se do barro a vida artesã
    de mulheres e homens do Jequitinhonha,
    essa lenda de água, ainda viva,
    dessa gente de fé, queira Deus viva sempre.

    No princípio era tudo terra, duro torrão.
    Torrão que nada valia vivendo de sequidão.
    Torrão que nada rendia.
    Depois, torrentes no oitão.
    E o torrão esturricado se revira,
    vira barro e se amassa pra fazer fogão.

    É lenha no fogo, é fogo na lenha,
    é jarro de barro, é água no jarro,
    carne seca e feijão na panela de barro.
    No princípio, torrão que nada valia;
    depois é divino barro de ouro.
    Eis o sopro de Deus soprando
    o fogo da vida no barro-artesão.
    Ouro de terra e água
    junta-se a fogo e lenha
    no milagre da refeição.

    II — Jesus Cristinho

    “ Quem com barro mexe, atolado morre”.
    Ulisses Mendes, de Itinga,
    uma vez ouviu isso e quedou-se.
    “Morre atolado de amor por criatura e criador”
    - falou, da parede, o Cristo de barro.
    Ulisses calado estava, quieto ficou
    e mais uma vez a voz se ouviu:
    “Sou Jesus Cristinho, seu Ulisses,
    seu criado, um lavrador”.

    Ulisses, aquilo ouvindo, arrepiou-se.
    Tomou nas mãos o barro e o mexeu,
    rogou a Deus, ajoelhou-se.
    Pensou na voz e soprou
    e o barro mexeu-se vivo...
    O fogo de Deus multiplicou-se.
    E foram muitos Jesus Cristinhos,
    aos milhares nascendo em rotos presépios,
    vivendo, pregando, repartindo pão, barro oco,
    se crucificando...



    III — De Bichos do Mato, de Gente
    de Deus e Coisa de Casa

    Tem tudo de sala, roça e cozinha,
    fogões, panelas, cadeiras, mesinhas,
    enxadas e foices, machados,
    cavalos e bois, vacas, casinhas,
    pássaros, galos, galinhas,
    bonecas e noivas, princesas rainhas.
    Tem pote de enterrar gente,
    bacias de lavar rosto, banheiras,
    porta-escovas, gamelas,
    jarros e bules, copos, sopeiras.
    Mamães dando leite e filhos mamando,
    filhotes de barro se amamentando
    no seio secando na mãe que é viúva
    de marido vivo que foi-se pensando
    na artimanha do gato que fácil engana
    e na dor do corte na cana da perna,
    quando em São Paulo for tirar o leite da cana.
    São flores, perfumes do mato,
    essências de terra, cheirinho africano.
    Porquinhos são cofres pra dinheiro de barro,
    riqueza de sonhos, que pobreza que nada,
    esperança aos milhões!
    Galinhas cantando, galos anunciando...
    Tem João de Barro, de barro mesmo moldado,
    no galho da árvore o sonho amarrando.
    Na casa de barro do pássaro artesão
    prisão não existe - só a liberdade -
    que se prende às asas da criação.
    Então voa pro mundo a argila do vale
    nos corpos e almas das criaturas,
    gentes e coisas a quem o sopro de Deus,
    pelos apóstolos do barro com o fogo da vida,
    deu lindas figuras.

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  4. Quê saudades, meu amigo e conterrâneo! Parabéns e sucesso.

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  5. Vendo " Invenções da Alma"( Arte1)," conheci o Mestre Ulisses Mendes! Minha alma foi inundada de esperança! Já programando para ir conhece-lo pessoalmente! Parabéns Mestre!

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  6. Trago comigo os peitos de Adriana Collares, lindos!

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